sábado, 14 de novembro de 2009

A Tradução e sua contribuição para a filosofia brasileira

Esta postagem dirige-se principalmente aos leitores e pesquisadores de filosofia. Recentemente, procurando artigos sobre Rousseau na internet, deparei-me com o site do Professor José Oscar de Almeida Marques, um dos principais filósofos em atividade no país. José Oscar de Almeida Marques é um dos responsáveis pelo crescimento dos estudos sobre Hume no Brasil, pois fez excelentes traduções das principais obras do filósofo escocês como “As Investigações Sobre o Entendimento Humano” e “As Investigações Sobre os Princípios da Moral” presentes numa mesma edição pela editora da UNESP cuja primeira edição é de 2004 e os “Diálogos Sobre a Religião Natural” editada em 1992 pela Martins Fontes.

A importância de trabalhos como este para a filosofia brasileira é imenso, pois permite o aceso a obras importantes para a história da filosofia. Hume durante muito tempo foi um filósofo pouco conhecido do público brasileiro, justamente por não contar com boas traduções de suas obras. Graças a trabalhos de pessoas como José Oscar de Almeida Marques a realidade é outra, há um número considerável de pessoas estudando Hume, o que tem permitido repensar a posição do filósofo na historia da filosofia.

Agora o trabalho de José Oscar de Almeida Marques dirige-se a outros autores como Berkeley e Hobbes, que contam com um número reduzidos de suas obras traduzidas para o português. O site disponibiliza para download artigos escritos pelo autor, principalmente sobre Rousseau, Hume, Kant e Wittgenstein. Contudo, quero destacar a parte do site destinada às traduções. Para meu espanto há traduções para o português de obras até então carentes de uma edição brasileira, como “Um ensaio para uma nova teoria da visão” e “A teoria da visão justificada e explicada” de autoria do filósofo irlandês George Berkeley, “Carta sobre a música francesa” de Jean Jacques Rousseau e “ELEMENTOS DE FILOSOFIA - PRIMEIRA SEÇÃO - SOBRE O CORPO
PARTE I - COMPUTAÇÃO OU LÓGICA” do filósofo inglês Thomas Hobbes. O que é melhor, o TEXTO COMPLETO está disponível para download. O link do site é o http://www.unicamp.br/~jmarques/ .

Espero que esta postagem seja útil aos interessados em temas relacionados à filosofia moderna e aos que de algum modo tem uma relação com o estudo da filosofia.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Série Entre-Vistas com Wesley Costa Melo

Born To Lose - Wesley a primeira pergunta de toda entrevista feita pro blog quer saber o que o artista entrevistado compreende por arte. Esta pergunta pode parecer banal num primeiro momento, por parecer geral demais, contudo nós queremos remetê-la ao caráter mais subjetivo possível. Assim, explorando o caráter subjetivo da definição de arte nas várias entrevistas, chegaremos a uma multiplicidade de definições que podem ou não se relacionar de modo a se complementar. Embora haja tal expectativa, há grande chance dela não se concretizar. Na verdade permanecerá um mistério o que vai resultar desta multiplicidade de definições. Mas chega de explicações, diga-nos Wesley: o que é arte para você?

Wesley Costa Melo: Uma forma de amenizar nossos conflitos. Um alívio. Sinto a âncora da vida ser recolhida. Uma paz. Um sentimento instantâneo e por isso, talvez, qualquer forma de responder o que seja a arte, é equívoco. É isso agora, mas depois do ponto final, pode ser outra coisa.

Born To Lose – Nossa entrevista terá que ser diferente das outras porque você além de ser instrumentista, na verdade multi-instrumentista (já que toca, além do violão, guitarra, contra-baixo, cavaquinho, viola, acordeon e piano, não esqueçamos da clarineta, que lembro bem você tocou por um tempo lá na União Sete de Setembro) é também professor de música e mantêm dois blogs, Um Lugar no Absurdo e Cães Didatos. Então comecemos pelo caráter múltiplo de sua prática instrumentista. Eu lembro Wesley que no final dos anos noventa você iniciou seus estudos de teoria musical num conservatório em uma cidade próxima a Ponte Nova, da qual não me lembro o nome. Também me lembro que você já tocava bem o violão, havia entrado na União Sete de Setembro pra se aproximar mais da teoria, acho que isso foi antes do conservatório, aprendeu a tocar clarinete .... Geralmente os músicos quando já sabem tocar o instrumento (ainda mais o violão que neste sentido é um instrumento estigmatizado, pois no geral não é preciso aprender teoria musical para executar uma seqüência simples de acordes e cantar, ao menos é assim que as pessoas comuns entendem), como era seu caso naquele momento, você já sabia tocar o violão, o que o levou a querer aprender a teoria musical e sair do lugar comum geralmente espaço dos “violadores de plantão”?

Wesley Costa Melo :
Na verdade, dos instrumentos que você citou eu só mantenho uma linha erudita de estudo do Violão, Viola, Piano e Acordeon. A guitarra, contra-baixo e cavaquinho são cursos que ofereço na escola e são ministrados com competência por professores como Emerson Clayton ( guitarra), Samuel Faria ( contra-baixo), Mauro Cruz ( cavaquinho), Sergio Nova (canto) e Violão Popular com Davi Primavera. São músicos que estão resgatando uma auto-estima dentro de uma cultura onde a desvalorização do músico como trabalhador, profissional, educador, é ainda tratada com desdém. Está sendo muito importante poder reunir esses músicos que estão dispostos a reverter a péssima formação cultural do nosso povo, mas ainda é lamentável a falta de disposição daqueles que podem fazer com que essa educação chegue a mais pessoas, digo: a prefeitura e os órgãos responsáveis pela cultura ainda não entenderam minhas intenções . Mas voltando ao foco principal de sua pergunta.... Antes de iniciar meus estudo no Conservatório de Música de Visconde do Rio Branco eu já havia sim buscado uma iniciação teórica na Corporação Musical União Sete de Setembro, devido a carência que havia na época dos prof. de violão para fornecer um conhecimento teórico , acabei buscado na União Sete de Setembro um recurso para me aproximar daquelas perguntas sem respostas que o violão me fazia, foi então que o clarinete me serviu de meio para um fim já , vamos dizer, previsível, pensado...Foi então lá no conservatório que percebi o quanto a educação musical em Ponte Nova é tímida, conservadora, mitológica. Entendo que a União Sete de Setembro tem um direcionamento mais objetivo, acontece que de repente seus membros não, ai chegavam para fazer um vestibular e se frustravam achando que a música se resume em compassos simples e divisões denominador 4, tipo 2/4, 3/4 e 4/4 . Numa Corporação Musical a didática não pode ser só voltada para uma mecanização de melodias, harmonias e ritmos, tem que saber os motivos de ter essas essências. Bom, eu tenho a resposta a sua pergunta sobre os “violadores de plantão”. Resposta essa adquirida com meu mestre e amigo Valeriano (grande violonista), que uma vez me disse: “O violão é o instrumento mais fácil de se aprender a tocar errado e o mais difícil de se aprender a tocar certo”, justamente por esse caráter estigmatizado por ele poder ser ao mesmo tempo rico aos apelos populares, tanto quanto, às riquezas dos apreciadores eruditos. Costumo dizer que ao estudar o violão clássico aprendi a tocar errado com mais elegância (hehehehe).... Portanto, o que me levou a buscar uma informação teórica foi a busca por verdades que levassem a dúvidas mais sinceras.

Born To Lose: Houve alguma mudança no modo como você se relacionava com a música quando você se familiarizou com a teoria? A pergunta pode parecer banal, mas não é, na medida em que pretende saber em que medida a teoria pode guiar as aptidões musicais que lhe antecedem. Ou seja Wesley: até onde a teoria é importante para se tornar um bom músico, uma vez que existem grandes instrumentistas e mesmo compositores que aplicam todo conhecimento teórico sem ter estudado a teoria, que conseguiram meio que “naturalmente” se formar musicalmente apenas ouvindo e vendo outras pessoas tocando. Posso dar como exemplo todos os grandes bluesmen, como Muddy Waters, BB King, Buka White, Big Bill Bronzy, há muitos mais, o João Pernambuco mesmo, que além de exímio violonista foi um grande compositor, sendo analfabeto e nada sabendo de teoria musical. Som de Carrilhões, sua peça mais conhecida, que deu fama internacional a seu compositor, é respeitada em todas as escolas de violão mundo afora. Veja Wesley, não quero dizer que a educação musical, o conhecimento da teoria deva ser desprezado, apenas quero saber qual o papel da teoria na formação musical, até onde ela é responsável pela constituição da identidade musical de um instrumentista e de um compositor.

Wesley Costa Melo :
Busquei a teoria justamente porque queria mudanças em minha forma de relacionar com a intuição, uma maneira de dialogar com ela. No início certo mito me assombrava (acho que acontece com outros músicos), achava que a teoria poderia tornar a música algo puramente técnico, insensível, mas isso não tem nada haver, a percepção é pura, sempre, desde que o estimulo seja sincero. A teoria é apenas uma ferramenta, assim como o alfabeto é para escrita uma forma de materializar o que se sente em termos de linguagem. Livre desses assombros pude entender o que sentia e registrar os resultados com mais segurança. A percepção musical destes músicos que você citou deixa claro que a teoria não é, nem quer ser, e nem será a essência da possibilidade de se criar tão belas composições, a teoria é gloriosa na sua responsabilidade em registrar de forma fiel os sentimentos expostos pela intuição. O que demonstra o verdadeiro lugar da teoria é o fato de que existem os dois lados, oras, vejamos um Astor Piazzolla em toda sua sensibilidade revolucionar com toda sua bagagem teórica um estilo musical, ou Heitor Villa-Lobos, que tirou o violão de certa mediocridade ao carregá-lo de sentimento erudito em todo seu conhecimento teórico. Portanto, o papel da teoria não é dar um qualitativo ao instrumentista ou compositor, é apenas um recurso disponível que só tem a acrescentar na eventual falta de outras aptidões. Por exemplo, aos que não trabalharam bem o ouvido em termos de percepção, ou peça complexa de ser tirada aos mínimos detalhes, a partitura é fiel a uma boa interpretação. É preciso conhecer limites, muitos músicos parecem um guitar-pró sapiens (hehehehehehe) executando uma partitura. No fim o que conta mesmo é a sensibilidade, a emoção, a identidade do músico esta muito envolvida com o que ele sente quando se expõe por intermédio do seu instrumento, não importa se é leigo ou diplomado, já vi gente tocando coisa ruim com uma emoção contagiante, assim como já vi interpretações de Bach de dar tristeza. Focalizando sua pergunta central sobre o papel da teoria na formação musical, busco, antes da resposta, resolver o que coexiste junto à sua interrogação: O que vem a ser uma formação musical hoje no Brasil? A música se diferencia das outras artes por ser tão ambígua, ela é arte se for erudita, ela é arte se for popular, tonal, dodecafônica... O que quero dizer é que não existe uma linha de educação e sim várias então a teoria ou a sua ausência não constituem a identidade do instrumentista ou compositor, isso esta mais ligado a suas aspirações. É isso, no mais são oposições conservadoras, digo isso porque a academia esta cheia de músicos que até hoje acham que a música “é a arte de combinar os sons de maneira agradável aos ouvidos” hehehehehehehe.....


Born To Lose: A respeito desta coisa de o violão sofrer com sua popularização, muitas vezes banalizante, já que se pensa comumente ser este instrumento refinado algo de domínio fácil e que permite ser músico de revistinha, tocar Legião Urbana e Raul Seixas ... Um músico da noite pontenovense, se é que isso existe, que toca ou tocava sempre naquele projeto às quintas feiras em frente a padaria São João Batista, chegou pra um amigo meu, que estava a meu lado e o conhecia, e disse o seguinte: “Fulano, descobri que posso tocar música tal em E Maior, passei 10 anos tocando a mesma música em G Maior sem saber que a poderia tocar em G Maior também.” Bom este músico que só sabia tocar as musicas nos tons em que as havia aprendido já tinha mais de 40 anos, sendo que era músico “profissional” desde os 20. O fato Wesley é que ele não sabia que além do G Maior as músicas poderiam ser tocadas em todos os outros tons, acho que ele passados mais de 10 anos ainda deve estar tocando a música no novo tom que havia aprendido na ocasião o G Maior. Na sua escola você se depara com este tipo de situação? Já aconteceu de você ensinar uma peça do Villa e o aluno não gostar e pedir pra aprender a tocar Legião Urbana? Como você lida com esta pré-concepção de aprendizado musical?

Wesley Costa Melo :
É um problema e tanto. Como o violão tem duas faces sonoras, a maioria chega querendo fazer aula de violão, ai, quando digo: Violão Clássico ou Popular? Eles ficam desarmados e custam a responder, e respondem com a seguinte interrogação: Qual é a diferença!? Ai é foda cara, porque você vê o termômetro cultural da cidade pegando fogo de febre e nenhum remédio pedagógico. Venho contribuído (lamentável que muitos ainda não podem ter acesso, pois não tenho nenhum tipo de apoio cultural) com a formação de uma garotada que nunca ouviu falar no mais “popular” dos eruditos, digo, Heitor Villa-Lobos. Minha tática tem sido convencer o aluno de que se ele tocar Villa-lobos, Tarrega, Bach, enfim os mestres, ele ira tocar Legião Urbana, Raul Seixas e tal, como ninguém! É claro que é verdade, ai fico naquela esperança de que ele se apaixone por um gosto musical mais disciplinar, que faça dele um músico mais consciente. Quando vejo que forçar a barra pode fazer o cara se frustra e até desistir, mando ele para o Prof. de Violão Popular. Mas tenho conseguido com relativo sucesso desenvolver o trabalho de erudição. Acontece também de chegar alguém já familiarizado com o violão pelas artérias populares, e esse cara chega frustrado porque esta cansado de tocar a mesma música em G Maior, ai vou explicar as escalas, as tonalidades, os intervalos e as construções harmônica / melódica que só é possível aprender tendo uma formação mais erudita. É que o popular, se o cara continuar insistindo em seu populismo, ele acaba tendo que buscar em breve uma bagagem mais clássica.

Born To Lose: Você está compondo no momento?

Wesley Costa Melo :
Estou trabalhando na composição de um método que busca facilitar o conhecimento sobre a localização dos mais diversos acordes no braço do violão, é difícil mapear essas digitações e inversões apenas estudando suas estruturas por meio de dicionários. O que faço nesse método é pegar, por exemplo, uma seqüência de DÓ maior em todas as suas mais diversas digitações e inversões e construir um estudo que ajude a fixar a localização desse acorde em toda a extensão do braço do instrumento. É de se assustar quando pegamos um dicionário e encaramos aqueles 3250 Acordes (como no dicionário de Fernando Azevedo), mas se esses acordes estão copilados em forma de música fica bem mais prazeroso entende-los, encontrá-los. Estou construindo um estudo para cada seqüência, maior e menor, sétimas diminuta, quinta, sexta, nona e etc. Enfim, um trabalho a longo prazo. Trabalhei nas variações do acorde de A 7º (Lá maior com sétima diminuta), por exemplo, e o resultado tem sido significante. Quando mostro para o aluno aquela quantidade de variações onde o mesmo acorde pode ser feito ao longo da escala do instrumento, o aluno se sente desmotivado, mas quando mostro isso dentro de uma música a historia é outra. São peças instrumentais que além da didática dos acordes, explora com erudição o campo melódico que liga um acorde a outro, com dissonâncias caóticas em meio a pausas estridentes, um trabalho que estou gostando de fazer e que será também copilado em CD, brevemente. É isso, e muitas composições ainda no silêncio, na pausa, harmonias transparentes...

Born To Lose: Eu estava meio que tentando direcionar nossa conversa pro campo dos seus interesses particulares, por exemplo o caso da composição, mas vejo por toda entrevista e pelas conversas que estamos trocando via MSN, que seus projetos não refletem a procura de uma satisfação pessoal, mas pessoal e solitária. Percebo que sua procura por uma satisfação pessoal, tem a necessidade de envolver outras pessoas, daí a ênfase na preocupação pedagógica revelada pela resposta à pergunta anterior. Gostaria que você comentasse um pouco esta minha visão, pois ela pode ser equivocada, e que você falasse um pouco do que está sendo pra você desempenhar o papel de artista-educador, ou se quiser músico-educador.

Wesley Costa Melo:
“Minha pessoa só é particular se multiplicada, só é pessoal se compartilhada”. Em muita das vezes penso, vejo e sinto que as pessoas são o que querem dos outros, mutantes da ética, da moral, um caráter sempre condizente com as necessidades particulares de se afirmar um indivíduo para além do coletivo. Para mim o sentido “humano” do individuo só existi no cumprimento de um dever maior: Complementar o comportamento alheio. Quando me proponho ao oficio de lecionar sou só a metade de uma ação que só se completa quando outra parte se compromete no oficio de aprender. O que mede, por assim dizer os “benefícios” de uma relação, é o reflexo no próximo de todo nosso esforço empregado pra transmitir o oficio. Quando trabalho certa música com um aluno o que espero é uma boa execução por parte dele, assim sendo, tenho o reflexo do meu comportamento à altura do tanto que ambos nos esforçamos, o que reflete nos outros é a medida do quanto somos responsáveis por nós mesmos. Ai esta minha satisfação pessoal. Um bom exemplo é a amizade, a medida do que sou esta nas conquistas dessas relações, a quanto tempo venho medindo meus valores na realização dos amigos , você, Rogério , Dalton, André , Gustavo , Claudio Amauri e por ai vai todos aqueles camaradas que você conheceu muito bem e sabem que estão aqui compartilhando nossas forças.
O papel de artista-educador ou músico educador tem sido para mim uma experiência complicada devido a um lado cruel e imperdoável que vem à tona em meio todas as satisfações, é porque me sinto péssimo quando vejo que a busca por valores existenciais por intermédio da arte estão sendo desprezados, subestimados, ceifados, por aqueles que deveriam sim se responsabilizar em educar, aqueles que possuem o poder financeiro polichiqueiro de darem estrutura, apoio, é uma merda fazer algo privado quando temos verbas para algo publico. Nem todos, por mais em conta que sejam os preços das aulas, podem estar pagando mensalidade com constância, comprando instrumentos, e de repente (nunca saberemos) é justamente quem não pode pagar que mais talento possui para se expressar. Pago aluguel, luz, água, impostos, reúno os professores em um só lugar (porque diferentemente da casa da cultura sei reconhecer quem são eles, e ainda mais, sei que podem ser muito mais), antes as aulas eram todas sem comprometimento, aulas a domicílio ou na casa do professor, o que favorecia imprevistos, mas apesar de tudo faço o possível para beneficiar alunos e professores. Mas quando fui à casa da cultura buscar apoio fiscal, ou que me ofertassem qualquer idéia que eu pudesse oferecer aulas aos desfavorecidos pelo cap(e)talismo, acabei é só deixando o número do meu celular e uma confiança estúpida de que alguém iria me retornar , isso já faz 6 meses. A escola esta funcionando a todo vapor, mas já houve outras que também não encontraram apoio no sentindo humano da palavra “educação” e acabaram fechando, e numa boa, se eu for o próximo não será nenhuma novidade. Todo educador é um artista, mas nem todos vão ao circo só aplaudir o palhaço, muitos se sentem mais felizes em vaiar. Ouvi nesse circense governo pontenovense o secretário de cultura vislumbrar trazer um conservatório para cá, (ótimo se fosse coerente) mas mal sabe ele que enquanto esse conservatório não cai do céu, nós professores subterrâneos já estamos fazendo nossa parte, e que saibam: Muito bem feito.


Born To Lose: Bem Wesley, você escreve um Blog, o Cães Didatos, onde levanta algumas questões referentes à política feita em Ponte Nova. Poucos atinaram para isso, mas em pleno século XXI existe uma espécie de coronelismo em vigor ai em Ponte Nova, exercido por uma das mais tradicionais famílias pontenovenses, os Bartolomeu. Quando não estiveram efetivamente exercendo seu poder no gabinete da prefeitura através de um membro da família, conseguiram eleger alguem que representasse seus interesses, foi o caso do Zezé Abdalla, que ao menos em direito governou nossa cidade durante oito anos. Durante toda a história de Ponte Nova, nada foi feito em termos de educação e cultura, embora nossa cidade sempre tenha gerado grandes artistas. Atribuo este fato às tradicionalissímas famílias pontenovenses, os Bartolomeu são apenas umas delas, certamente hoje a que possui mais poder na cidade, que visam apenas administrar em busca de atender seus próprios interesses, desprezando questões vitais para o convívio social como a cultura e a educação. O aumento abusivo da tarifa de ônibus pela São Jorge é outro exemplo de como a prefeitura está se lixando em saber o modo pelo qual a população irá se locomover pela cidade, além de nos mostrar que a cidade está entregue ao interesse do empresariado, em alguns casos, como o da Sao Jorge, que nem mesmo é oriundo de Ponte Nova. Sei que me extendi bastante na questão, portanto vamoa à pergunta: de que maneira esta conjuntura política presente em Ponte Nova ajuda ou atrapalha projetos como o seu, de implementar uma escola de música em Ponte Nova e de que maneira você com seus alunos e professores, podem contribuir para uma mudança efetiva neste quadro de degradação em que se encontra a arte e a educação em Ponte Nova?

Wesley Costa Melo:
Bom, vamos lá! O blog Cãesdidatos http://caesdidatos.blogspot.com/ surgiu nas últimas eleições quando ficou evidente o retorno de toda a corja dos poli(ch)iqueiros que já haviam deixado suas imundices no retrocesso social da cidade. Assustado com mais esse passo em falso busquei despertar em nossos conterrâneos uma participação mais analítica nas eleições. Além do blog, panfletei pela cidade uma foto que deixava claro a demagogia da campanha vencedora http://caesdidatos.blogspot.com/2008/09/ponte-nova-para-todos.html.
Hoje o blog expõe as mazelas da nova administração, o descaso com aqueles que eles chamam de “Todos”. É simples observar que não existi nada além de demagogia política nesse novo mandato: A nova administração pegou a cidade nas ruínas cravadas pelo Rio Piranga e no entanto, luta para dissolver uma lei criada pela administração passada de Proteção do Rio Piranga que impede a construção de novas barragens, bom , o novo Prefeito apóia a construção de novas barragens e foda-se o futuro, o lobby dessas empresas é muito forte, visto é claro, que a nova administração é muito fraca e só visa interesses particulares. Antes de Taquinho nunca havíamos ouvido falar em Casa da Cultura nem quero imaginar o que era feito da verba que vinha para cultura, na casa (rs!) de quem ela ia parar? Na administração passada a cidade deu seus primeiros passos para uma sociedade comprometida com a cultura, certa valorização ficou explicita no resgate fotográfico exposto no decorrer da beira-rio, existia um interesse em despertar um estima gentílico em nosso sangue. É claro que houve muitas falhas na administração passada, mas si comprarmos com as outras prefeituras aqui já vigentes e a atual (que engloba de nova todas as nossas chagas), teremos um mar de rosas.
No brasão da bandeira de Ponte Nova temos o seguinte lema: Pro patria semper. Mas a quem pertence essa pátria? Desde a colonização e devastação dos índios nos massacres da chamada “guerras justas” pelos lunáticos das sesmarias, somos herdeiros do coronelismo. A falência da fé de Santa Helena, Ana Florência , Pontal , Chopotó, nós atolou no verdadeiro inferno. A ganância desses administradores do passado assumi nova face em empresas como a Bartofil e seu conglomerado (Ormel - Ataque – Cotril - Cadernos Bartofil- Gráfica Bartofil), São Jorge auto-ônibus e o monopólio do transporte coletivo, Laticínios Porto Alegre e Rações Porto Alegre da família Carneiro que também pertencem a nova safra de sanguessugas, verdadeiras maquinas de hemodiálise. E na verdade essas engrenagens do cap(e)talismo, numa cidade relativamente pequena, não sentiria nem cócegas se transcrevesse parte insignificante de seus lucros para o desenvolvimento sócio-cultural de sua própria Pátria. Em Visconde do Rio Branco – MG , a Pif Paf apoio a Conservatório de Música , aqui em Ponte Nova temos empresas tão forte o quanto e eu tentando levar minha escola de música nas costas. Já são uns 80 alunos sobre a responsabilidade de uma formação cultural que acrescente a eles a valorização da vida pela sensibilidade artística. Mas qual é o potencial de jovens músicos numa cidade de quase 60 mil habitantes? E desses tantos quantos teriam a condição de pagar pelas aulas!? A minoria é claro! O quanto de potencial artístico se perde nessa cidade? Mas já expus isso ao
ex-Padre e ex-Petista Gilson de Oliveira ( atual PSDB ) , hoje atual responsável pela Casa da Cultura. Pedi um apoio fiscal ou algunhas bolsas para alunos mais carentes, infelizmente eles só entendem de financias pessoais. Venho fazendo o que posso e desse jeito estou sujeito a seguir os mesmos passos de outras iniciativas musicais que já ocorreram por aqui: o Fim a curto prazo. Enquanto a esses pais da Pátria é fabuloso que se desenvolvam e gerem empregos, mas quando vão perceber que seus funcionários querem educar os filhos, ter onde ir aos fins de semana , poderem voltar ao trabalho satisfeitos porque sabem que a mão de obra deles gera algo maior do que dinheiro, constroem um povo , uma cidade, uma vida de sentido e não apenas de ilusões. É assustador pensar que onde antes era o Parque Tancredo Neves hoje é cede de um Presídio! Que os nossos cinemas viraram Igrejas Evangélicas! Que o nosso Rio só é fonte de energia elétrica e descarga do trato digestivo! Não fazem nada simplesmente porque não querem! É só isso. Não querem!
O que venho fazendo sem apoio nenhum já tem a força de construir um comercio mais consciente de instrumentos musicais, favorecendo as lojas do ramo a investir em qualidade e custo. Por outro lado tenho acompanhado a formação de alunos que chegaram sem nunca ouvirem falar de um Vestibular de musica ou um Conservatório e que hoje já almejam uma carreira musical, enquanto outros encontraram no estudo de um instrumento a oportunidade de uma vida social mais saudável, muitos saem do trabalho e encontra ali uma satisfação de bem-estar, fora o ciclo social que gera entre pessoas que compartilham o mesmo interesse, amizade entre músicos é algo forte como um sentimento materno. Fico imaginando alguns alunos sem essa oportunidade e isso me doe a ponto de ter pena dos que podem fazer algo mais efetivo e não estão nem ai! Pena que Ponte Nova é só para Todos os que podem pagar! Temos um potencial humano incrível que não pode ser sugado, moído, suprimido pelas engrenagens da hemodiálise cap(e)talista, resta assumir o compromisso de divulgar de expor nossos potenciais e é o que eu e mais outros 6 professores da escola de música temos feito, fora a nova força que o blog cãesdidatos ganhou com o apoio de novos Colunistas como o Historiador Gustavo ( Gugu), o Poeta Rogério Saraiva e é claro Carlos Inácio do Born To Lose , todos pontenovenses. E assim vamos.

Born To Lose: Bem Wesley, antes de finalizarmos a entrevista quero fazer mais uma pergunta, agora direcionada à sua atividade relacionada à divulgação dos recursos naturais de Ponte Nova. Inclusive você e André estão se dedicando ao trabalho de catalogação de plantas e insetos que compõem o ecossistema pontenovense. A importância deste trabalho é imensa, pois divulga um elemento de nossa terra que nos é desconhecido. AS fotos que vocês postaram no blog dedicado à divulgação deste trabalho me causaram uma sensação de espanto, eu não reconheci as imagens como fazendo parte de Ponte Nova. As pessoas acabam tendo uma imagem da cidade bastante limitada, recolhida ao pequeno espaço urbano que compõe a cidade, o que impede que a identidade do pontenovense se amplie. Primeiro Wesley, qual o objetivo deste trabalho direcionado à questão ecologica de nossa cidade? Segundo: qual a relação entre as esferas cultural, político e ecologica em Ponte Nova, elas se relacionam uma com a outra?

Wesley Costa Melo:
Ponte Nova é recortada por fragmentos de mata Atlântica, rica em fauna e flora, cheia de trilhas propícias aos amantes do trekking e outras infinitas opções de esporte graças a bela geografia pertencente ao Circuito das Montanhas.
O pouco de natureza, que os mercenários das sesmarias deixaram, ainda sofre um progressivo desmatamento nas mãos dos latifúndios da cana, do agronegócio, a extração ilegal de madeira pelos carvoeiros, enfim, o que temos é muito vulnerável devido ao principal fato de que a grande maioria da população desconhece que temos essa riqueza, então isso desaparece, mas na mente das pessoas esses lugares nunca existiram!
O trabalho que divulgamos no blog http://expedicoesribeirocosta.blogspot.com/ tem por função expor o cenário inacreditavelmente natural de Ponte Nova, fazer-se conhecer o nosso potencial de ecoturismo. Despertar em Ponte Nova uma consciência ecológica é tão importante e, no entanto, o que temos atualmente é uma proposta contraria. São 6 projetos de barragens, um presídio erguido nas proximidades do Parque Florestal Tancredo Neves, aqui é um lugar no absurdo! Já respondendo sua pergunta sobre as relações sócio-ambientais, observasse que não existe um compromisso em conscientizar, em mobilizar por vias concretas o quanto o povo é responsável pela defesa de tudo isso. No dia árvore, na semana do meio ambiente, a mesma ladainha, o mesmo discurso de sempre “vamos salvar o planeta terra”, hahahaha só se for pelas vias de um suicídio coletivo! Estou cansado dessa porra de dialogo pseudo. Cara, houve uns meses em que estava rolando realmente um discurso ambiental concreto, prático, saudável, uns camaradas daqui estavam organizando aquelas corridas de orientação; participei e fiquei de cara com o cenário maravilhoso , um contato direto com a nossa natureza e as pessoas participavam com equipes até de seis e já havia bastante gente se envolvendo e foi ai então, que na hora de buscar o patrocínio, o apoio dos órgãos públicos responsáveis por “salvar o mundo”, não encontram ninguém que discursou no dia árvore pra planta uma sementinha de esperança ali. Os caras estavam cobrando uma contribuição irrisória para a aquisição de bussolas, mapas, água, os coletes da equipe e ainda rolava uma confraternização depois da aventura, mas a coisa tava crescendo e os custos aumentando e se fosse revertido para os participantes ficaria inviável. Tava ai uma das varias maneiras de se envolver e despertar uma consciência ambiental e conhecer nossas riquezas. Em muitas vezes eu tenho medo de Ponte Nova, de estar fazendo a coisa errada ao deixar minha vida fazer-se vida aqui, prosseguir nessa trajetória que muitas vezes assumi o papel de um retrocesso humano.

Born To Lose: A última pergunta seria feita agora Wesley, mas sua resposta anterior suscitou novas questões. Apesar de estarem sendo feitas algumas ações no sentido de fortalecer o cenário cultural pontenovense como o Festival de Inverno, em que são oferecidas oficinas culturais, shows, apresentações teatrais, dentre outras coisas, ainda há um paradoxo existencial presente em Ponte Nova. Paradoxo este que me levou anos atrás a chamar Ponte Nova de “Ilha da Fantasia”, uma analogia ao filme em que as pessoas eram recebidas pelo Tatu para viverem experiências fantásticas nesta ilha. Acho que este mesmo paradoxo de alguma forma foi também identificado por você ao chamar Ponte Nova de “Um Lugar no Absurdo”. Ponte Nova tem até mesmo o seu Tatu e seus paradoxos que lhe conferem o seu “Lugar no Absurdo” e lhe garantem o título de “Ilha da Fantasia”. O que estou chamando de paradoxo existencial pontenovense? Na verdade é um conjunto de situações estranhas, absurdas, que acabam definindo a essência da cidade e consequentemente de seus habitantes. Por exemplo, como explicar haver diversas atividades culturais acontecendo na cidade em todas as áreas, Música (com você Wesley, com a Persona, com a Carranca, com bandas tradicionais como a União Sete de Setembro e a Santíssima Trindade), no Teatro (com o grupo do Teatro de Bolso), na Poesia (com Jaquesson, Rogério, o Mateus Tuzé), nas artes plásticas e visuais (com Tozin, Paula) isso pra falar apenas da nova geração de artistas, e a população não possuir uma identidade cultural? Como é possível as pessoas sofrerem os efeitos da exploração predatória dos recursos naturais da cidade, lembremos da última enchente, e não questionarem haver mais seis projetos de construção de barragens? Como é possível haver locais com uma flora tão bela quanto as que cercam a nossa cidade e não haver uma política voltada para a educação ambiental? Enfim, como é possível acreditar que o ato simbólico de plantar uma semente no dia da árvore irá promover a conscientização ambiental dos serralheiros e dos fazendeiros, que garantirá a preservação dos recursos naturais da cidade? Como é possível as pessoas acreditarem que ao fazerem uma caminhada pela paz com mensagens de paz em camisas e faixas pode convencer às pessoas a deixarem de ser violentas? Há fatos ainda mais corriqueiros que poderiam ser citados a fim de justificar os títulos de “Um Lugar no Absurdo” e “Ilha da Fantasia” à Ponte Nova, mas preferimos citar os que tem uma relevância política. Este paradoxo da existência pontenovense mantêm viva a sensação de angústia, faz com que nos demos conta de nossa impotência diante de fatos tão absurdos. Gostaria que você falassem um pouco desta situação existencial habitada de absurdos e para quais caminhos ela aponta. Ou seja você enxerga um futuro de ações absurdas multiplicadas?

Wesley Costa Melo:
O “absurdo” tem sua origem no descaso histórico da cidade que é erguido sobre uma “fantasia” de sobrenomes que contribuíram para uma herança de miséria sócio-cultural oceânica!
Ponte Nova é contornada pela descrição exata da origem do “absurdo” que habita essa análoga “ilha da fantasia”. Ponte Nova é cercada por antigas fazendas em decomposição e outras habitadas por fantoches de sobrenome pomposo, que há muito perderam a distinção entre um trono e um vaso, mas existe o quê de responsabilidade sócio-cultural nessa paisagem?
Quando os senhores das sesmarias vislumbraram essas terras e consumiram com os nativos dando início a todo o processo de escravidão do semelhante, deu-se então a construção dessa ilha, desse absurdo, desse paradoxo atual chamado Ponte Nova. Como é de se saber a transição do poder dessas famílias de senhores do engenho aos congênitos culminou obviamente no acumulo de toda riqueza da região na mão de poucos (o mesmo acontece hoje, São Jorge, Bartofil, Porto Alegre). Aconteceu que a ganância, igual ferrugem, foi roendo silenciosamente as engrenagens desse ponteiro. Quando esses senhores faliram, os colonos (que já presos à vida na falência) se dispersaram em busca de novas formas de sobrevivência dando início ao que hoje constitui nossas áreas periféricas. Enquanto os patronos de Santa Helena, Pontal, Ana Florência e muitos outros esbanjavam seus lucros, uns poucos colonos “privilegiados” conseguiam estudar até a 4º série, uns pouquíssimos! Os pais, os filhos, os netos, dessa geração herdaram os restos do luxo desses canalhas da cana e café, ou seja, bagaço e borra. No aniversário de nossa cidade, nada se questiona a respeito de nossa real origem. Ninguém questiona a origem arquitetônica das colunas dessa atual miséria e é isso que impede de demolir essas vigas, essas sombras, esses aspectos ainda administram nossa forma de interagir com a compreensão do que é uma vida sócio-cultural, artística, arte, a impressão que se tem aqui é a de quê ainda nem se formulou a interrogação: o que é arte? Vê-se um povo desarticulado com tais interrogações voltado apenas para um mecanismo burocrático herdado lá nos canaviais. Essa nossa herança persistirá enquanto não houver (e não existe) interesse pelos órgãos responsáveis de abraçar projetos que ergam o tecido que cobre esse palco de fantasia em que vivemos. Quantos historiadores Ponte Nova possui? Muitos! Quantos projetos já não foram elaborados e nesse momento devem estar engavetados no “absurdo”. Alguém precisa abraçar a causa, nossos administradores não percebem que compete a esses profissionais, assim como compete a mim formalizar em meu povo uma mentalidade musical, construir nossa identidade. É uma questão de responsabilidade, de se realizar pessoalmente no próximo, pois a degradação do semelhante é um tumor que em breve será diagnosticado em nós mesmos. Sei que compete também aos administradores ofertar essa oportunidade aos profissionais da área, mas esperar isso é mais que utópico numa cidade administrada por, vamos dizer, Tatus...
Portanto é primeiro necessário entender isto: Somos herdeiros das chagas dos Senhores do Engenho. O bagaço, a borra, o banzo. Sobre esse aspecto anti-biológico a maior parcela dessa população se educou. O que temos é uma ilha, de fantasias, de absurdos, no sentido mais concreto dessa patologia social.
De tudo isso, ainda que seja vago nossos dados históricos, é possível entender os rumos que tomariam a herança artística, a identidade cultural desse povo. Quando o açúcar da cana secou e o café amargou na garganta dos coronéis, muita coisa ficou perdida junto aos caprichos desses senhores. Foi a partir daí que a arte em Ponte Nova se dispersou e se perdeu na necessidade de sobrevir do famoso pão que o “diabo amassou”. Foi só depois que o povo se estabilizou em outras geografias é que teve início o processo de rememorar as origens. Vê-se hoje no bairro de Fátima a maior concentração de nossa historia sócio-cultural. Boa parte dos que residem ali são herdeiros do retrocesso cultural promovido pelos “Senhores do Banzo” os coronéis do Piranga. Esse resgate tem sido feito por grupos como Ganga Zumba, Afro-reggae, o quase extinto grupo de Congado, e muitos outros personagens que talvez da arte só sobre o anonimato. Conhecer nossa historia é fator primordial para se reorganizar, saber o que houve, saber para onde foram nossas essências culturais e como restabelecer esse dialogo entre passado-presente e só assim projetar-se no futuro. Nossa identidade cultural esta dispersa pelo simples fato de não sabermos quem somos. Mas essa situação esta sendo invertida por esses grupos remanescentes, e dessa ação de conhecer a si mesmo esta desencadeando a arte genuinamente pontenovense. Veja-se nosso grande artista João Bosco o quanto de nossa origem existe na musica dele, a raça, os ritmos, as vozes.
De tudo isso se observa uma cidade atada em camisas de força, quando se trata de ser artista em Ponte Nova e fazer disso um meio de vida, a personificação de um louco vem logo à tona. A insegurança do próprio artista pontenovense de se auto-afirmar contribui para a degradação de uma identidade. Enquanto os mais ousados tendem a buscar refúgio em outras cidades, buscando não apenas a formação, mas a segurança de estar pisando num solo firme em que ele possa dar seus passos sem se preocupar com as drummondianas pedras no caminho. Quantos artistas já deixaram essa ilha? Quantos artistas deixaram de ser artistas dentro dessa ilha? Um lugar no absurdo! Essas ações absurdas tendem a se multiplicarem enquanto o poder público estiver nas mãos dos herdeiros do coronelismo.
Eu enxergo o absurdo se multiplicando! Infelizmente. Como olhar diferente quando o horizonte, volto a enfatizar, é o projeto de mais umas 6 barragens é a articulação imoral de ceifar a leia de proteção ao Rio Piranga... enfim. A todo o momento essa cidade convida seus artistas a desistirem ou partirem! Pessoas que são indiferentes aos atuais progressos culturais da cidade são indicadas a cargos essenciais retrocedendo os grandes nomes que realmente vivem para cultura pontenovense. O cumulo do absurdo no meio artístico se sucedeu no último dia 7 de Setembro e passou por muito despercebido: A Corporação Musical conhecida também como Sete de Setembro não tocou em 7 de setembro !!!! Basta. Não, não basta. Cogita-se para o aniversário da cidade a Banda Calcinha Preta. Quem são nossos dirigentes culturais que apóiam isso, se subornam a isso, se submetem a isso? Sabem eles a importância de se resgatar nossos valores nessa data? Que ligação existe em valores históricos a cor da “Calcinha” com o processo de emancipação cultural de Ponte Nova nesses últimos cento e tantos anos? Bom, que a coisa esta “Preta” isso não temos dúvida!
Desvincular do capital a prioridade dos lucros buscando um valor humano rentável ao sentido da vida é algo que muitos dos nossos empresários não estão preparados para entender. As exceções nascem em iniciativas como as de Karran, João Mattos, Davi Primavera, a poetisa Laene, as bem intencionadas iniciativas do MovPaz, o Peti, Taquinho e toda força dedicada aos grupos culturais remanescentes lá no bairro de Fátima ... Existe um caminho mais a cada passo as pedras no caminho se multiplicam. Veja bem , (02/10/09) acabada de ser expedida sentença judicial que invalida leia criada para a Conservação do Rio Piranga, alegam ser inconstitucional a proteção ao meio ambiente !!!!! O Semam, a Prefeitura, a Novalis e seus advogados, o Juiz, o Codema de Ricardo Motta, todos que compactuaram inclusive o Povo com a passividade anormal, são todos cúmplices do único e verdadeiro ato inconstitucional: A destruição de nosso maior patrimônio, o PIRANGA.
Viver em Ponte Nova é que esta ficando inconstitucional!

Born To Lose: Fica claro para mim e ficará claro também aos leitores do blog que os interesses do governantes pontenovenses giram em torno de um objetivo especifico, camuflar os graves problemas oriundos de decisôes que visam garantir os interesses do empresariado e das decadentes famílias latifundiárias. Marx escreveu que a religião é o ópio do povo, talvez devamos reterritorializar esta frase, colocá-la no contexto do século XXI, devemos agora afirmar que O ENTRETENIMENTO É O ÓPIO DO POVO. As grandes coporaçoes financeiras, as multinacionais, o estado, todas as instituiçoes que fazem a manutençao do poder mundo afora, apenas mudaram a roupagem de uma fórmula inventadao cerca de dois mil anos atras pelos imperadores romanos, CONTROLE AS MASSAS E O PODER SERÁ SEU. Os imperadores já usavam do entretenimento para garantir o dominío das massas, ou seja, do povão. As arenas onde os gladiadores lutavam por suas vidas entre si ou com feras, era o espetáculo oferecido ao povo, que esquecia seus problemas ao ter acesso a esse tipo de "lazer". Aniversário de Ponte Nova, momento de diversão, mas também de reflexao como você bem disse. Trazer para Ponte Nova um show como o da famigerada Calcinha Preta é um tapa na cara de todos os artistas pontenovenses. Primeiro, por desvalorizar o seu trabalho e segundo por representar um gasto astronomico do dinheiro público, pois o show de uma banda como a Calcinha Preta não é barato, embora não passe de uma banda baile como muitas que existem ai em Ponte Nova e cidades vizinhas, lembrem-se da Lex Luthor. Sabemos muito bem que um show como esse tem um tom de estratégia política, uma maneira de amenizar as críticas, de desviar o foco de problemas centrais como a construçao de novas barragens, aumento da passagem de onibus, etc. Até o final do ano, provavelmente o assunto entre as pessoas na porta de suas casas no final da tarde, das rodas de estudantes dos colégios, entre as senhoras que levam uma vida entediada e não tem outra coisa a fazer que não seja jogar conversa fora após lavar os pratos do almoço, será a apresentaçao da Calcinha Preta em Ponte Nova. Mais uma vez o entretenimento é usado como instrumento de dominaçao, mais uma vez as pessoas vao ser lesadas, mais uma vez uma administraçao publica negligente será elogiada e se passará por patrona da arte e da cultura. As pessoas em Ponte Nova não tem a miníma noção do que seja arte, não porque sejam burras ou incultas, mas porque nao lhes é oferecida a oportunidade de entrar em contato com o fazer artístico, porque são levadas a considerar como arte aquilo que é mero entretenimento. É muito comum em Ponte Nova você encontrar com alguém e perguntar qual o tipo de música que esta pessoa gosta e ela afirmar que é ECLETICA. Não há nada pior do que alguem dizer que é ecletico, pois mostra que esta pessoa não tem um senso crítico e tampouco possui critérios estéticos para julgar sobre este ou aquele som , esta ou aquela música e por ai vai. Ou seja, quem gosta de tudo, quem é eclético, não gosta de nada, pois lógicamente uma coisa anula a outra. Isso mostra que as pessoas são indiferentes à arte, elas querem se entreter, não importa se a banda toca bem ou faz música de qualidade, importa se vai haver diversão, sacanagem etcetera e tal. Nesse sentido só posso dizer uma coisa, o povo merece a situaçao em que está! Como você disse e muito bem, a populaçao pontenovense é cumplice da destruição do rio Piranga é culmplice do aumento da passagem do onibus e nem sequer vao sentir sua parcela de culpa quando as aguas do rio cobrarem seu espaço e Ponte Nova se transformar em uma craterá. E não vao sentir culpa alguma porque vao estar entorpecidas pelo som da Calcinha Preta. Assim Wesley gostaria saber de você, considerando a cumplicidade do povo pontenovense com as decisões dos governantes quanto o destino da cidade, qual o futuro da arte pontenovense, qual a perspectiva de concretizaçao e desenvolvimento de trabalhos como o seu com educação musical através da Escola de Música Percepção Músical, do Teatro de Bolso, dos grupos culturais do Bairro de Fátima, e de artistas como Davi Primavera .... você acha que as coisas vão tomar um rumo melhor, que através de uma luta quixotesca, como esta que vocês estão travando no momento, através do Projeto Percepção musical, cujo primeiro convidado foi o Persona, tentando fazer com que as pessoas vejam gigantes onde há apenas moinhos de vento, ou seja que vejam a arte ao invés de uma suposta realidade apresentada por uma classe dominante, algum resultado positivo será alcançado? O efeito deste ópio do entretenimento pode ser bloqueado?

Wesley Costa Melo:
A lei que protegia o rio Piranga, uma lei de proteção ambiental, em Ponte Nova é inconstitucional. Proteger a natureza em Ponte Nova é inconstitucional! Isso já responde tudo!Mas vamos enfatizar:
Por que o Povo é indiferente? Anestesiado pelo entretenimento degenerativo ele é incapaz de sentir as dores que essa maligna administração esta deixando para posteridade.
Roubaram desse povo os critérios para discerni o que soma ou subtrai à vida qualidade. A passividade é o meio, como uma defesa, que esse povo encontrou para garantir seu emprego, sua vida social, a individualidade preservada pelo senso comum. A herança do coronelismo deu vida a uma escravidão, da qual o povo, por ter sido privado lá no passado dos direitos básicos à vida, esta desprovido de entender que o que lhes dão hoje é uma farsa que preenche como um analgésico o sentido de viver a vida. Hoje qualquer mediocridade alegra essa gente, qualquer moradia é teto, qualquer emprego é digno, qualquer representante pode opinar por nós, mesmo ele sendo mudo!Os que se propõem em representar politicamente o povo são sempre os mesmo que conhecem a carência popular e logo os entorpecem com as promessas de festas, shows, e outras alusões que o povo assimila como uma política democraticamente saudável. Quando a política tem intenções diferenciadas como a do ex-prefeito Taquinho Linhares, o povo, apoiado pelos patrões do entretenimento, insatisfeitos com a luz se refugiam na platônica caverna cravada lá nos úteros das sesmarias e começam a orar pela costumeira e adaptada vidinha de extorsão promovida pelos atuais senhores do engenho. E desses longos anos de adestração um grande problema surgiu aqui: O individuo não se reconhece como responsável pela própria construção de si mesmo em Povo. O cidadão pontenovense, já não se concebe no conjunto de pessoas que se formaliza em povo, esta sempre dizendo: “A culpa é do povo”, “o povo gosta”, “o povo é que escolheu”, como se ele não fizesse parte desse mesmo povo! O sentindo de coletividade se perdeu e cada indivíduo se concebe à parte de decisões que devem ser avaliadas por todos. Ou seja, o ópio de entretenimento citado por você, funciona. Como então as pessoas absorverão o sentido sartriano da responsabilidade existencial? Pela arte. Seria simples assim, mas o ex-padre e ex-petista Gilson de Oliveira um homem inteirado sobre os engajamentos da alma e do corpo contra tudo que se opõe a construção do “paraíso”, foi omisso e não representou aquilo que foi encarregado a representar: a Arte. A função cultural é criar através de manifestações artísticas propostas ao bem-estar social, que reflita os problemas e proponha soluções. Será que a arte pontenovense e os dirigentes dela não enxergam problemas sociais se multiplicando com as negligentes decisões dos governantes? A SEMAM, coordenada por Edson Leite apóia a Novalis a levar para a extinção o Surubim de água doce e ainda consegue inaugurar uma Ecoteca na Praça de Palmeiras blasfemando sobre a importância de preservamos o futuro dos nossos jovens. Ambos, como representantes do povo, poderiam mobilizar ações que orientassem de forma coerente um caminho, não o fizeram, portanto são cúmplices. Culpado são eles, pois representam o Povo. O vereador Wagner Guimarães/ PV propôs um plebiscito ao Prefeito, mas o show da Banda Calcinha Preta vai abafar o caso. Enquanto os que podem fazer algo não fazem, ações privadas vão despertando o senso crítico da população através da arte independente. O Projeto da Percepção Musical, o Teatro de Bolso, os grupos culturais do Bairro de Fátima e muitas outras manifestações que estão à flor d’pele pontenovense, emergem do descaso em que se encontram e começam a formalizar novas maneiras de se pensar a política sócio-cultural pontenovense. Esse quadro politiqueiro cap(e)talista que promove esse analgésico mental precisar ser freado. Não temos a solução, mas já somos um “problema” e é isso que eles precisam, provar daquilo que há séculos já vem nos dando: Como vamos reverter problemas sociais como a destruição do Piranga?
Com margem em tudo isso, confesso que por mais bem intencionados que sejam esses projetos em prol de um bem comum, confesso, que para mim, certa força de otimismo que ainda me habitava se afogou com o esforço que nossos administradores (a cima de tudo semelhantes) tiveram em alterar a Lei de proteção ao Rio Piranga. Para mim foi o estopim. Se essa administração perdurar por 8 anos, o ópio do entretenimento não será bloqueado e os resultados positivos colhidos não terão projeção para além de “boas intenções”. Viver em Ponte Nova é definitivamente inconstitucional. Estou decepcionado, muito.


Born To Lose: Agradecemos a Wesley pela entrevista. Gostaríamos de continuar, pois há muito a ser dito por e sobre Wesley Costa Melo, seu esforço em manter a Escola de Música Percepção Musical juntamente com seus colaboradore, que trabalham como professores da escola, sua reflexão acerca da situação política e social de Ponte Nova e sua relação com a produção artística e cultural da cidade, contudo, decidimos encerrar a entrevista pelo fato de haver problema em estabelecer contato com nosso convidado. Assim continuem atentos ao blog, pois Wesley terá presença constante em nossas postagens.